Recuperar ou deixar falir?
“O que realmente define o sucesso de uma recuperação judicial é o entendimento entre a empresa devedora e os credores.”
Nos últimos dois anos, a economia brasileira vem sofrendo com a queda expressiva de sua atividade produtiva. A recessão tornou-se preocupante porque veio acompanhada de um persistente processo inflacionário e redução nas linhas de crédito. Trazendo dois exemplos bem ilustrativos, recordo que tivemos que conviver com uma conta de luz muito mais cara e um preço de gasolina bem salgado. Nosso custo de vida definitivamente aumentou.
Pelo lado das empresas, a restrição ao crédito afetou diretamente sua capacidade em expandir seus volumes de venda. Para se ter uma ideia do impacto do crédito no mercado, podemos citar a queda de 25,7% nas vendas de veículos em abril de 2016 em relação ao mesmo mês do ano anterior.
Contudo, a análise que pretendo realizar com mais detalhe nesse artigo, diz respeito às dificuldades dos empresários brasileiros na administração de suas dívidas, em um ambiente de queda nas vendas e de restrição de crédito. Isto é, ingredientes suficientes para falir ou abalar qualquer corporação privada. Neste sentido, surge naturalmente a seguinte questão: Recuperar ou deixar falir?
Infelizmente, neste cenário, o que restou para muitas empresas foi o pedido de Recuperação Judicial conforme preconizado pela Lei no 11.101/2005. Sua solicitação não deve ser confundida com o antigo pedido de concordata.
A Recuperação Judicial possibilita às empresas que se encontram em dificuldades financeiras e que apresentam um quadro de dívidas elevadas, uma chance de “dar a volta” por cima e sair da crise. É uma forma de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da empresa, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, preservando a empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica (art. 47, Lei nº 11.101/2005).
Os empresários muitas vezes solicitam a recuperação quando o volume de dívidas já é bastante elevado. Nós temos observado que este pedido tardio dificulta a recuperação da empresa, e lamentavelmente muitas acabam falindo. Os problemas são decorrentes de má gestão, da crença do empresário na recuperação econômica futura, na dificuldade em admitir o fracasso como executivo ou ainda no próprio desconhecimento dos instrumentos da Lei de Recuperação e Falências.
No processo de recuperação judicial a empresa continua operando normalmente, com sua gestão, caixa e operação. Porém é pedido aos credores um prazo e deságio para pagamento das dívidas. A empresa deverá apresentar e aprovar na assembleia de credores um plano de recuperação judicial. Neste plano a empresa deverá projetar suas receitas e despesas, bem como sua capacidade de pagamento das dívidas. Por mais que o processo seja judicial, o que realmente define o sucesso de uma recuperação judicial é o entendimento entre a empresa devedora e os credores.
Segundo o Serasa Experian o número de recuperações judiciais disparou no primeiro trimestre de 2016. Ainda segundo a entidade, a alta foi de 131% se comparado com o mesmo período de 2015. Isso demonstra que a crise brasileira afetou diretamente o caixa das empresas, causando enormes transtornos financeiros e de capacidade de pagamentos. Observamos um forte aumento nos pedidos de recuperação judicial de empresas ligadas ao segmento de autopeças, da construção civil e de algumas linhas específicas de consumos duráveis. Estes setores foram fortemente afetados pela desaceleração econômica.
Outra característica é que as recuperações são solicitadas por empresas nacionais não destinada às reposições e empresas que dependem fortemente do mercado interno. As subsidiárias internacionais recebem ajuda de suas matrizes nesses momentos. Porém um número preocupante, segundo o Serasa, é que 90% dos pedidos de recuperação são de pequenas empresas.
A crise atual fez aumentar os pedidos de recuperação judicial e nós esperamos que os pedidos continuem aumentando nos próximos meses, pelos motivos já expostos acima, mas sobretudo pela contração do crédito oferecido pelas instituições financeiras. Todavia o que observamos é que, por constrangimento ou falta de informação, os empresários buscam a recuperação judicial em momento tardio, dificultando a recuperação econômico-financeira da empresa. A Lei de Recuperação e Falência deveria ser vista como uma oportunidade para a superação da crise que a empresa enfrenta.